Espaço para idéias e ideais da minha mãe. Um lugar onde poderemos compartilhar dos seus pensamentos, daquilo que lhe alegra, daquilo que lhe indigna.. das coisas que ela ama, das coisas que ela pensa, das coisas pelas quais ela luta... É um espaço como a minha mãe, que não é só minha e da minha irmã mas é da Zélia,dos meus tios, das minhas primas, da família religiosa, do mundo... Winnie, filha da Sandrali.
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Trinta e dois dias já se passaram...
Talvez poucos se dêem conta do que perderam. Não foi só o Babalorixá, o Pai de Santo que retornou à casa mítica . A nação Cabinda perdeu um baluarte: uma enciclopédia da matriz africana, uma sabedoria , se foi com Ele. Muitos serão os ditos e os des-ditos, mas poucos dirão a verdade, a não ser aqueles que puderem afirmar, como Ele afirmava: "eu vi, eu estava lá...".
Que nosso amor por Ele sirva de elemento para preservar aquilo que nos foi ensinado, dignifcando e nos fortalecendo contra as maledicências e as traições.
Gbogbo àse.
(força energia para todos)
Iyalorixá Sandrali d'Osun
domingo, 4 de dezembro de 2011
Escrito a um ano atras...
Pelotas, 04 de dezembro de 2010.
Aos Companheiros da Setorial de Combate ao Racismo.
Bem, aqui estou eu refletindo sobre a
possibilidade da construção de uma sociedade gerenciada pela alma e onde a
solidariedade tenha o poder de influenciar nas estruturas sociais de forma
ágil, simples e eficiente. E tudo isto feito através do Amor, da Competência,
da Paixão pelo Saber, da Generosidade, da Solidariedade de cada um e cada uma
dos que acreditam neste sonho e ajudam a torná-lo possível.
Eu tenho paixão pelo
trabalho e levo a sério a confiança que depositam na minha competência. Mas
gosto da simplicidade e detesto disputa desqualificada. Prefiro escrever a
falar, prefiro ser a ter, prefiro conquistar a disputar, prefiro a construção
nos bastidores ao show no palco.
Embora meu agir possa criar a idéia de
complexidade devido à minha circularidade, meu jeito de pensar
estratégias é simples e se baseiam em três premissas: - disciplina prazerosa
pelo trabalho de servir o melhor cardápio que aprendi a fazer, - crença
inabalável naquilo de melhor que o Outro tem a contribuir - disputar
apenas aquilo que conduz à Unidade.
A escrita sempre foi meu melhor instrumento de
denuncia e de anuncio e, quanto maior minha indignação, maior minha produção. Sou boa nisto, tenho
dificuldade no discurso improvisado.
Vim para Pelotas em mil
novecentos e noventa e nove, magoada pela forma como alguns companheiros,
ligados ao movimento negro lidaram com a disputa pelos espaços no Governo
Olívio Dutra. Não souberam enxergar-me
como um quadro político que acima de tudo ama o que faz e não tolera atitudes
maquiavélicas e perversas, muito menos traição de irmãos. Afastei-me da
política partidária, sem, no entanto, me desfiliar do PT.
Durante estes doze
anos, eu estava quieta no meu espaço trabalhando com meus adolescentes em
conflito com a lei, tentando fazer cumprir o ECA na execução da medida
sócio-educativa de privação de liberdade, embora sabendo que a Fase estampa o
fracasso da sociedade no trato de suas crianças e adolescentes e da violência
estruturalmente construída
Plantei meu axé em
Pelotas e disto cuidei muito bem. Minha
militância passou a ser a luta contra a intolerância religiosa, sem fazer
estardalhaço, nem uso da política partidária. Aquietei meu coração, mas
continuei a sonhar com uma sociedade solidária, ética e, por si só,
igualitária.
Dediquei-me, então, a cuidar da
formação das minhas filhas, pois elas são o maior presente que Deus me deu e
se, na infância delas, a política e o trabalho as privou da minha presença mais
próxima, quantitativamente, na sua adolescência resolvi que o cuidado a mim
cabia como presença afetiva e efetiva e, muitas vezes incomodativa, pois
jamais admiti que elas me dissessem: não te metas na minha vida. Meti-me
e muito... O resultado disto é que uma está cursando Psicologia, quer fazer
mestrado, doutorado e por aí... E a outra depois de cursar três anos de Agronomia,
fez o ENEM, está cursando Direito e aos vinte e dois anos ingressou na
política. As duas também são ialorixás comprometidas com a causa contra a intolerância
religiosa. As duas me tem como confidente, como conselheira, como sustentáculo,
como referencial, como alguém a seguir. Isto representa a síntese de mim mesma e é
tudo que qualquer mãe poderia desejar: padecer neste paraíso e dar-se conta que
valeu a pena, que cumpriu sua missão e devolve para o Mundo sua dedicação
simples e digna de um Prêmio Nobel.
Em julho, fui a Porto Alegre para receber uma homenagem,
levando com prazer e muito orgulho minha filha Winnie que já estava em campanha
eleitoral. Eu estava feliz com o reconhecimento como liderança feminina, com a
indicação feita pela Lanna Campos, pessoa que me introduziu nas comunidades,
como Morro da Conceição, Vila Cruzeiro, Restinga. Lanna me falou: "Teu
chefe virá neste evento e quer falar contigo", referindo-se a Tarso Genro
com quem tive a honra de trabalhar, no seu primeiro governo na Prefeitura de
Porto Alegre.
Durante o evento, emocionei-me
ao rever companheiras e companheiros de militância. Emocionei-me com a fala do
Julio Quadros que declarou que havia votado em mim quando candidata a
vereadora. Emocionei-me quando vi José Reis, meu fiel escudeiro e coordenador
da minha campanha.
O então candidato a Governador,
Tarso Genro, ao cumprimentar-me, abraçou-me e me falou, ao pé do ouvido: "A
Sandra disse que acha que desta vez esse negócio vai dar certo e mais uma vez lembrou-se
de ti para ocupar o espaço, tradicionalmente ocupado pela primeira dama, como
foi na prefeitura". Eu sorri e respondi:- Diga a ela que por ela eu volto
para Porto Alegre e aceito a incumbência.
Logo depois falei com Zé Reis e
contei o fato. Ele me disse: "Bom, é um convite. Este é um momento
diferente daquele que enfrentaste na Prefeitura. Estás afastada, mas agora
estás sendo convidada independente de
indicação do movimento ou núcleo".
Depois, em agosto, veio a
coordenação da mesa do evento Diálogos para Promoção da Igualdade Racial, no
Satélite Prontidão, com a presença do Ministro Elói e do Senador Paulo Paim. Na
discussão de como seria a composição da mesa houve, para variar,
questionamentos quanto à representatividade. Falei que todos nós trazemos
conosco uma ancestralidade e isto, por si só, já corresponde a uma
representatividade incontestável; por outro lado eu estava ali para contribuir
e não haveria qualquer constrangimento em abrir mão da coordenação da mesa. A companheira
Lanna num dado momento pontuou sobre o fato de Tarso Genro ter solicitado que a
mesma me convencesse a voltar para Porto Alegre a fim de estar no Gabinete da
Primeira Dama. Zé Reis se inscreveu é apontou que não era o
momento, pois precisávamos primeiro ganhar o Governo e tínhamos que ter cuidado
para não queimar nomes. Outro companheiro pontuou que havia outros nomes para
ser consultados, talvez com mais representatividade. A questão gerou constrangimento e eu falei
que não autorizava ninguém, nem mesmo a Lanna, por quem tenho estima e uma
relação afetiva (sou madrinha do filho dela), a colocar meu nome em qualquer
espaço, principalmente porque eu já sofrera bastante com a experiência do MAPA;
eu estava ali preocupada com a eleição do Paim, pelo que ele representava para
nós. Depois disto começamos a organizar propriamente dito o cerimonial do
encontro.
Quando Tarso chegou, Zé Reis
falou a ele que já estava havendo "tititi" em relação ao meu nome. “Tarso
me deu um abraço fraterno e disse: Quem escolhe sou eu, pois sou eu que terei
que carregá-la”.
Bem, a fala de Tarso foi ouvida por todos que ali
estavam presentes onde ele citou-me e cutucou-me, falando do meu trabalho a frente
do Mapa.
Bem, dali em
diante, segui, cumprindo as orientações, como militante e com a disciplina e
discrição que me caracterizam. E algumas pessoas acompanharam meus movimentos e
trabalho de formiguinha durante a campanha. Com o Caderno do Programa de
Governo, embaixo do braço, busquei o comprometimento, de cada candidato, com as
nossas questões, que ali, no Caderno, estavam contempladas, fruto do trabalho
desta Setorial. E a minha fala era a seguinte: - Fulano de tal tem uma cara
preta e está fazendo campanha pra te eleger. Tudo bem, mas nós queremos que, se
fores eleito ou eleita, não te esqueças de defender as questões que nos contemplam.
Queremos o teu compromisso com a nossa causa-.
E assim fui indo, independente de corrente, mas respeitando as demandas
oriundas desta Setorial, através do contato com a Sandra Maciel. E porque a
Sandra? Porque eu respeito as instâncias partidárias e seus dirigentes. Penso
que, se nós não respeitarmos o que nos mesmos construímos, não poderemos exigir
que nos respeitem.
Em outro momento
consultei a Reginete Bisbo também movida pela relação de respeito,
solidariedade e confiança.
Eu sou assim, não tenho culpa que algumas
pessoas não consigam me ver assim, como realmente sou. Valorizo a fidelidade e
não aceito traição. Respeito as instâncias partidárias e deixei explícito que
não vim para disputar qualquer espaço porque não me disponho a isto, não quero
isto pra mim. Apenas aceitei um convite do então candidato ao Governo do
Estado. E se ele, o Governador, assim
quiser, eu estarei disponível para o que der e vier, mas preservando-me contra
a maledicência e a incompetência.
Nos últimos dias, participei (com a
legitimidade que minha trajetória e minha ancestralidade me conferem na luta
contra as intolerâncias e o racismo) de três momentos de construção de nomes e
indicações de espaços para dar conta das nossas demandas. E atrevo-me a fazer
minhas considerações fraternas a respeito deste processo: penso que devemos rever
nossos métodos para que não haja desconstituição do processo de luta. Não
podemos perder a referência de quem somos e não podemos ser insanos e escolher
o lugar de perdedores enquanto coletivo. Não podemos gastar energia no lugar
errado. Nossa energia tem que estar voltada para a construção de políticas públicas
para nosso povo, políticas que dêem conta das demandas da comunidade negra. Não
temos o direito de desconsiderar o sonho de milhares de pessoas que nos tem
como referência.
Axé e grata pelo apoio.
Sandrali de Campos Bueno
sábado, 3 de dezembro de 2011
Neste ano o Natal foi complicado...mas ainda assim valeu a luta
E que Natal complicado...
Sandrali,
A dimensão da crença na possibilidade de mudança de estruturas está relacionada diretamete com a nossa capacidade de suportar os recuos.
Algumas pessoas com o seu viver exemplificam a luta.
É bom te ter guerreira e forte nessa luta. É muito bom te ter como amiga.
Que em 89 nossos recuos não precisem ser tantos como em 88 e que consigamos em nossa fragilidade n8os mantermos fortes na crença .
Com carinho.
Natal/88
Sandrali,
A dimensão da crença na possibilidade de mudança de estruturas está relacionada diretamete com a nossa capacidade de suportar os recuos.
Algumas pessoas com o seu viver exemplificam a luta.
É bom te ter guerreira e forte nessa luta. É muito bom te ter como amiga.
Que em 89 nossos recuos não precisem ser tantos como em 88 e que consigamos em nossa fragilidade n8os mantermos fortes na crença .
Com carinho.
Natal/88
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Um Natal com arte...
De Maria aprendi que a arte liberta...
Quando fui procurar não tinha mais, o barquinho de crianças, mas essa bela criança quebra o galho. Não retrata na forma a criança brasileira, mas o conteúdo lembra. Tens um belo trabalho pela frente és de uma força interior que garante e muito o processo de mudança. Que 88, venha cheio de mais esperança, crença e amor. Caso não venha, faremos isto de qualquer forma. As brechas estão aí pra isso.
Dez/1987
Maria Rita
Quando fui procurar não tinha mais, o barquinho de crianças, mas essa bela criança quebra o galho. Não retrata na forma a criança brasileira, mas o conteúdo lembra. Tens um belo trabalho pela frente és de uma força interior que garante e muito o processo de mudança. Que 88, venha cheio de mais esperança, crença e amor. Caso não venha, faremos isto de qualquer forma. As brechas estão aí pra isso.
Dez/1987
Maria Rita
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Escrito em um cartão de Natal
Este veio de Miriam França.
"Ser livre é poder se dizer o que se pensa, sem usar o famoso 'jogo de cintura';
ser livre é estar aberto para conhecer e sentir as pessoas a volta;
ser livre é amar, brigar, xingar, e lutar por um mundo mais digno e sincero.
Um dia seremos livres. É com pessoas como tu que iremos construir este paraíso de liberdade .
Obrigada por teres assumido o papel de ouvidor que tanto te exigi.
Continua digna.
Dez/1988.
"Ser livre é poder se dizer o que se pensa, sem usar o famoso 'jogo de cintura';
ser livre é estar aberto para conhecer e sentir as pessoas a volta;
ser livre é amar, brigar, xingar, e lutar por um mundo mais digno e sincero.
Um dia seremos livres. É com pessoas como tu que iremos construir este paraíso de liberdade .
Obrigada por teres assumido o papel de ouvidor que tanto te exigi.
Continua digna.
Dez/1988.
quinta-feira, 24 de novembro de 2011
Crianças e adolescentes negros em situação de risco social*
Roteiro da fala proferida no Seminário “O Negro e a
Educação”, no Encontro de Cultura Negra, realizado em Porto Alegre, de 20 a 30
de novembro de 1990.
Sandrali de Campos Bueno
Falar sobre a criança negra e o adolescente negro pressupõe um leque
imenso de possibilidades de abordar o assunto, pois o tema “infância e
adolescência” traz em seu bojo um sentido de totalidade, ou seja, não podemos subdividir
em especificidades, em áreas compartimentadas do conhecimento, sem correr o
risco de cairmos numa visão dicotômica do ser humano.
No entanto, mesmo correndo esse
risco, por uma questão didática, e pelo tempo disponível que temos de reflexão,
neste encontro, é necessário que delimitemos o campo e, portanto, pinçaremos
alguns aspectos que nos parecem significativos frente à possibilidade de uma
reflexão conjunta
Dentro disto, temos um pano de fundo que é a criança e o adolescente e
neste quadro é que iremos enfocar a criança negra e o adolescente negro, ou
seja, nossas crianças, nossos
adolescentes: a vivência, a conduta, o desenvolvimento, os desejos, as
ansiedades, os conflitos, a educação. Este é o tema central deste debate e,
portanto, nosso referencial.
Partindo deste referencial, enfocarei
duas situações, sendo que cada uma constitui um grupo que não faz parte deste
nosso quadro e que estão a margem, mas faze parte da sociedade, da população
negra brasileira: a primeira trata-se da questão da adoção de crianças negras;
a segunda é a questão das crianças e adolescentes negros que se encontram em “situação
de risco social”.
Talvez alguns dos aqui presentes tenham passado, ou conhece alguém que
tenha passado, pela experiência de adotar uma criança. A burocracia, as
entrevistas, são massacrantes, quando não discriminatórias, passando pela renda
familiar, condições psicológicas, etc., etc... Por outro lado, é passado ao
publico que as instituições estão repletas de crianças a serem adotadas e não são
encontrados pais adotivos ou então que só há colocação para crianças do sexo
feminino de preferência de olhos azuis, sendo que as crianças negras ficam nas
instituições esperando para serem adotadas a não ser que tenham a sorte de
serem adotadas por famílias estrangeiras.
Considero isto um mito: primeiro
porque na maioria dos casos não e considerado a disponibilidade afetiva das
famílias negras e sim a questão econômica. Ora, todos sabem que na grande maioria,
as famílias negras não apresentam um poder aquisitivo que lhes possibilitem
arcar com as despesas de mais filhos, embora muitas delas estiverem disponíveis
a adotar, pois faz parte do referencial histórico e afetivo do povo negro ter
família numerosa. Outra questão a ser levantada é adoção para familias
estrangeiras, sendo que as crianças são adotadas “sem qualquer preconceito”, ou
seja, os casais estrangeiros não discriminam quando querem adotar uma criança
brasileira. Aqui reforço meu questionamento: tem a ver com a construção de
identidade, a desvinculação da nacionalidade, da cultura, das raízes destas
crianças. Como se processa internamente o referencial desta criança negra, num
pais de primeiro mundo sim, mas sem nenhuma possibilidade de referência de
ancestralidade?
Quando
falo em mito, refiro-me a questão político-social, pois acredito que se o
Brasil tivesse uma política de adoção de crianças negras ou brancas, em que o
Estado se comprometesse em manter seus filhos em solo brasileiro, se defendesse
o direito dos que aqui nascem de terem no mínimo respeitado sua condição de
brasileiro, haveria mecanismos e instrumentos sociais que possibilitassem que
famílias negras brasileiras, que casais negros, adotassem crianças negras, como
por exemplo, só para citar uma proposta, se o Estado se comprometesse em subsidiar
a educação, saúde e o desenvolvimento dessas crianças. Temos muitas famílias
negras disponíveis afetivamente para receber em seu seio, crianças adotivas: o
que não temos são famílias negras com disponibilidade econômica para manter com
dignidade os seus próprios filhos.
Crianças e adolescentes em situação de risco.
O que isto significa? Que grupo social é este? Define-se que criança e
adolescente em situação de risco social são aqueles que vivem nas ruas, que
estão excluídos, que não tem acesso a escola, a saúde, a alimentação, que
“ameaçam’ a lei e a ordem estabelecidas. Que a maioria deles são negros, não
resta duvida, porque nos deparamos com eles diariamente. Estão aí na nossa
cara! Bem, este grupo em geral tidos como meninos e meninas de rua, ao serem
olhados pela ótica da cultura dominante, são tidos como um grupo desviante, com
estando a margem, como excluídos e por ai... minha pergunta é: como são vistos
pela comunidade negra, pela sociedade negra? Qual a concepção que cada um de
nos, negros e negras trabalhadores, politizados, militantes, intelectuais temos
frente a esta questão? Será que também reproduzimos a mesma relação que a
sociedade branca, dominante tem para
com eles? Até que ponto não temos a mesma postura daquelas pessoas, que ao se
depararem, por exemplo, no supermercado, com um adolescente negro, mal vestido,
sujo, pressupõe que ele seja ladrão, trombadinha ou qualquer rótulo? Penso que
é preciso refletir não só tendo por base o novo discurso de transformação
social, mas antes de tudo refletir partindo das nossas relações, da forma como
se dão essas relações, ou então corremos o risco de continuar discutindo ,
fazendo elaborações teóricas, mas sem qualquer possibilidade de mudanças efetivas
na vida das pessoas, na vida da maioria da população negra deste pais.
domingo, 13 de novembro de 2011
A Subjetividade da Mulher Negra: Um Olhar Alem Aparência*
Texto básico da palestra proferida no Encontro Estadual Mulher,Saúde, Sexualidade e Raça , realizado em Pelotas, no período de 24 a 26 de março de 1995. Painel: Políticas de Saúde Pública e Ações Públicas pela Saúde.
Sandrali de Campos Bueno
Quero
antes cumprimentar a Comissão Organizadora deste encontro e agradecer,
especialmente a companheira Regina Nogueira pelo esforço e garra em apostar na
capacidade organizativa das mulheres negras. Sinto-me gratificada em poder partilhar,
neste painel, da sabedoria negra de Matilde Ribeiro cuja trajetória no
Movimento de Mulheres e no Movimento Negro, indiscutivelmente, tem alicerçado a
nossa luta em busca de direitos e da liberdade para mulheres e homens da
comunidade negra; feliz por poder dividir o tema Saúde Mental com a colega
Carmem Oliveira que tem transcendido a ciência na busca de condições dignas na
construção de políticas públicas de saúde integral para toda cidadã, todo
cidadão deste País; interessada em poder extrair do legado da medicina a questão
da sexualidade e saúde abordada pela companheira Elizabeth Zerwes a quem tenho
o prazer de estar ao lado esta mesa; orgulhosa em poder transmitir que nesta
semana foi criado, em Porto Alegre, através de lei, o Comitê de Estudos e
Combate da Mortalidade Materna, tema que também vem sendo estudado pelo Centro
de Pesquisas da Universidade Federal de Pelotas. A par de todos estes
sentimentos, estou muito emocionada em poder fazer, deste momento, um momento
de produção coletiva, de esperança e de desejo de desvendar, com cada uma de
vocês, o mistério onde reside o processo de tornar-se mulher negra; ou, quem
sabe, negra mulher
Ao me debruçar sobre o tema que me coube,
neste painel, fui desafiada a enfocá-lo a partir da questão da identidade da
mulher negra, que por sinal é algo que venho trabalhando, mas sempre me sinto
como alguém em busca da decifração de um mistério que transcende as teorias do
Movimento Feminista e as bandeiras do Movimento Negro.
E lá estava eu com uma pilha de livros
sobre a construção da identidade do ser mulher. Li Freud, Reich, Lacan, Melanie
Klein, Simone de Beauvoir, Marilena Chauí, Marta Suplicy, Focault, Roberto da
Matta, Lya Luft, Mariom Zimmer, Winnie Mandela e continuava na minha maratona
bibliográfica, buscando ampliar o leque de informações com as quais eu
pretendia elaborar algo que fosse consistente do ponto de vista do discurso a
ser dividido com vocês. Mas algo me impedia de escrever embora permanecesse com
a caneta à disposição.
De repente meu olhar pousou sobre o
“folder” que anunciava o nosso encontro e imediatamente me veio, à mente, uma
frase de Martha Suplicy, citada no livro de Reolina S. Cardoso (1994, p.16):
“às vezes é mais importante você falar da própria experiência do que falar do
que leu nos livros”.
Naquele momento, decidi não falar do discurso
sobre a construção da identidade da mulher negra, discurso que tem se
vampirizado e fragmentado nossa energia, nossa sensação, nosso prazer e até
mesmo nossa dor, para nos manter caladas impedindo, muitas vezes o desvelamento
dos mecanismos que mascaram os conflitos em nome do equilíbrio do poder
instituído que é patriarcal e branco.
E aí é um bom lugar para começar nosso
questionamento. E pretendo fazê-lo com a emoção de uma mulher negra, ou seja, a
partir da situação cultural, social e estrutural que tem nos impossibilitado de
visualizar o problema das relações assimétricas, desiguais que estão contidas
na dimensão mais profunda e estruturante da personalidade dos seres humanos, ou
seja, a estruturação do Sujeito, a construção do Eu.
Como
não vou me deter no discurso, convido-as, a observarem com transparência, ou
seja, “além da aparência”, visualizando e sentindo a representação simbólica
que esta colocada no “folder” do nosso encontro: Encontro Estadual Mulher,
Saúde, Sexualidade e Raça.
São
duas figuras de mulheres. A figura da esquerda representa uma mulher branca; a
da direita uma mulher negra. Pois bem, a mulher branca está identificada numa
postura de avanço; ela está à frente, abre caminho com a mão esquerda e está a
um passo à frente. Olha a frente com decisão e estende a mão direita para
mulher identificada como negra, que é puxada, que olha para cima como se
estivesse sendo conduzida pela tenacidade da mulher branca, mas sem olhar a
frente, conduzida “a reboque”. Ora, se a construção do movimento é coletiva e
eu assim acredito, as mulheres negras estão, no mínimo, lado a lado, embora nem
o movimento feminista, nem o movimento negro consigam traduzir a fala da mulher
negra e por isto estamos num processo de forjar nosso próprio conceito.
Muito
mais poderíamos examinar através deste “olhar além”, mas creio que já estamos
mobilizadas o suficiente para abordar o processo de identidade da mulher negra
como algo que deva ser discutido com profundidade, tendo presente o problema
das relações e dos fatos existentes na nossa realidade social, cultural e
estruturalmente constituída. Constituição esta que tem nos impossibilitado de
visualizarmos, mesmo que inconscientemente, a assimetria e a desigualdade que
estão presentes no âmago das nossas relações contextualizadas numa sociedade patriarcal
e branca.
Para tal fundamentarei minha exposição nos
livros “Desejo de Mulher”, de Selene Kepler e “É uma Mulher”, de Reolina S.
Cardoso, fazendo uma releitura e analisando dados do cotidiano sob a ótica da
mulher negra e privilegiando o lugar onde se encontra essa mulher.
Tomarei como referencia três citações
acerca do processo de construção de identidade do Eu:
1-
o processo de construção de identidade, para qualquer pessoa, inicia a partir
da realidade concreta de seu próprio corpo:
2-
o amadurecimento da identidade do Eu é um processo que só se estabelece a
partir da relação com o Não-Eu;
3-
a condição de tornar-se mulher e, neste caso, uma mulher negra pressupõe o
confronto dos aspectos individuais e sociais com os estereótipos construídos a
partir de modelos expressados numa sociedade patriarcal e branca.
Ora, a conscientização do próprio corpo
determina uma das primeiras, senão a primeira, representações simbólicas a
serem interiorizadas pelo ser humano; entretanto o investimento afetivo da
mulher negra em seu próprio corpo se realiza em contraposição a um modelo
construído desfavoravelmente aos seus iguais. Explicitando; ao se identificar,
o bebê se vê no olhar da mãe que tem a função de enlaçar e espelhar sendo que,
através desse processo dinâmico, vão se estabelecendo representações intra e
interpsíquicas que culminarão com a identificação do Eu; a criança negra
interiorizará uma imagem de si mesma que se refletirá, posteriormente, num
espelho social que não lhe dá retorno positivo, através do qual possa
dimensionar e solucionar seus conflitos na construção de sua subjetividade. Isto acrescido da condição de estar num corpo
de mulher leva a uma contradição básica de não se identificar através de seu
corpo, mas sim da adequação a um modelo gerado por uma invisibilidade socialmente
construída e a serviço do poder ideológico da superioridade masculina e branca.
Essa invisibilidade da mulher negra (e
também do homem negro) tem a função de estruturante negativo na construção da
subjetividade negra, pois como refere Reolina Cardoso, as vivencias não estão
contidas dentro de nós, mas se manifestam relacionadas ao contexto ambiental,
situacional e pessoal que encontramos ou que imaginamos. Portanto essa ausência
de espelho identificatórios, no cotidiano social brasileiro, dificulta a
construção da identidade do Eu da mulher negra. Tudo isso se expressa na
concretude do cotidiano da mulher negra, através dos estereótipos construídos
pelo que o Outro deseja ou quer, relacionados com os aspectos preconceituosos e
discriminatórios que impossibilitam a visualização da conexão entre a
singularidade e o condicionamento histórico, entre as subjetividades e o coletivo,
entre as diferenças e as desigualdades.
Ao tentar desvelar um pouco desse mistério
da subjetividade da mulher negra, muito mais poderíamos abordar. Porem, meu
desejo de mulher negra também é circunscrito como uma angustiosa esperança onde
nossa radicalidade se imponha solidariamente, numa troca construtiva de saberes
e vivencias. E que essa solidariedade se expresse na busca de políticas públicas
ofensivas que criem mecanismos de sustentação e enraizamento de espaços de
reflexão estratégicos e táticas de intervenção qualificada que transcendam o
senso comum e tenham uma abrangência organizativa, incluindo mulheres negras e brancas,
na construção e ampliação do conceito de igualdade.
_____________________________
Referência bibliográfica:
CARDOSO, Reolina S. ET alii. É uma
Mulher. Petrópolis, Vozes, 1994.
KEPLER, Selene Ribeiro. Desejo de
Mulher. Petrópolis, Vozes, 1994.
sábado, 12 de novembro de 2011
PALMARES: PATRIMÔNIO DA HUMANIDADE*
Sandrali de Campos Bueno**
O “Vinte de Novembro” proposto e promovido pela primeira vez no Brasil
em 1971, pelo Grupo Palmares de porto Alegre, transformou-se no Dia Nacional da
Consciência Negra a partir de 1990, por iniciativa do Movimento Negro Unificado.
A data assinala a morte de Zumbi, o grande líder do Quilombo de
Palmares, que foi atraiçoado e morto em 20 de novembro de 1695.
Embora a história oficial não faça uma interpretação correta sobre a
organização dos negros conta a escravidão no Brasil, é importante resgatar que
o Quilombo de Palmares foi a maior e mais importante comunidade independente do
Brasil Colônia que por um século desafio foi o sistema escravocrata brasileiro.
A República de Palmares alem de exemplo de capacidade de resistência,
organização e luta também se constitui na referencia histórica negra brasileira
de um sistema de governo progressista, sistema este que fundava seus princípios
na cultura e organização sócio-política africanas, superando o colonialismo
mercantilista que escravizava e impedia o surgimento da nacionalidade
brasileira. Palmares estava a serviço da comunidade negra, mas abrigava
brancos, índios e mestiços, expressando a ética socialista no cotidiano das relações
e colocando o poder a serviço da comunidade.
Por tudo isto, ousamos dizer que a revolução dos negros no Quilombo de
Palmares, não é só a maior façanha política e militar no período do Brasil
Colonial. Palmares é uma referência para a Humanidade e mesmo que o sistema e a
história oficial ainda neguem em reconhecer Zumbi como um líder nacional, o
chefe da Republica de Palmares representou a força política progressista e experiência
social como marco de construção de nacionalidade através da resistência, luta e
desafio ao sistema escravocrata brasileiro.
Novembro, 1994.
(Fonte de
pesquisa: GALDINI, LUIZ. Palmares. Editora Ática, 1993.)
Texto publicado na Revista do SEMAPI em jan,1995.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Palmares
Palmares
Para grande amiga Sandrali,
cuja vida é um compromisso
inquebrantável
com o amor, o respeito e a
liberdade
Zumbi dos Palmares
vento da liberdade
assoviando em branco ouvido
Benjamin Moloise para além dos mares
sereno e forte anunciando a vida
foi levado à morte
poeta que não mais verá seu dia
poeta da alma negra que não se
que embranquecida.
Mas busca na justa medida
o direito de
ser
há milênios
repelido
Inventariando o passado o mesmo sangue continua
a jorrar na terra não dividida
Mas Palmares veio. Palmares virá.
Crianças. Soweto, Brasil e Atlanta
é sempre o mesmo Albatroz
Negros Pixotes emergindo aos milhares do fundo dos morros
Vendendo noticias que não as suas
Limpando ruas alheias
Retornando, talvez, a su(j) favela
cobrando -arma em punho- o exílio da vida.
Negro Pixote ,algemado, à Casa é arrastado.
Banzo do morro
Banzo do samba
Banzo, banzo, banzo...
o pranto milenar do negro.
Negro Pixote, em-bran-que-ce!
Negro Pixote por vezes esquece
que Negro é grito
é garra
é negro
de lábios grossos a abrigar palavras que são denúncias,
de dentes fortes a quebrar
cadeias de liberdade cedida
de traços marcantes
de marcante presença.
Roubado o corpo, o nome e a alma.
Iansã, Ogum, Iemanjá e todos os
orixás
sobrevivem no fundo das senzalas.
Sarava
A-i-é,
Abá.
Trancado no ventre da noite
O sangue negro explode
nos mais diversos matizes.
Crianças - Soweto, Brasil e
Atlanta
é sempre o mesmo Albatroz
Mas Palmares existe,
Palmares existirá
Solta teu riso, liberta teus pés
engrossa esta roda
que o jeito é sambar para fora
da noite que te escondeu
E tantos serão os palmares e tantos serão os
cantares que negro, índio e
branco
com as palmas da vida todos vestidos
Quilombares.
Porto Alegre, 19/10/85.
Dóris Peçanha.
terça-feira, 8 de novembro de 2011
Oralidades negras
SEMANA ACADEMICA DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA
TEMATICA: UNIDADE NA DIVERSIDADE
Mesa Redonda: Encruzilhada de Saberes: Oralidades Negras em Debate
Mostra de Um Casamento Religioso de Matriz Africana- Batuque, Nação Cabinda.
Sandrali de Campos Bueno
Quero agradecer os organizadores e organizadoras da Semana Acadêmica de Antropologia e Arqueologia que tiveram a sensibilidade de escolher, como tema central da Semana, Unidade na Diversidade e expressar a minha alegria por ter sido incluída nesta mesa redonda Encruzilhada de Saberes; oralidades negras em debate.
Como psicóloga, minha intervenção tem sido o da interdisciplinaridade, porque acredito que o conhecimento tem que ser circular e essa circularidade só se dá quando se é provocada por outras perguntas, ou seja, pela intersecção de outros saberes.Mas busco a transdisciplinaridade porque sonho com um saber onde todos os saberes estejam interligados numa espiral interseccionada pelo conhecimento em prol do bem comum e do bem estar da humanidade.
Como militante, minha luta tem sido pelo reconhecimento da cidadania para todos e todas e tenho me caracterizado pela radicalidade amorosa, tendo como princípio uma frase de Malcom X: de nada vale qualquer deferência a mim enquanto essa deferência não for para todos do meu povo.
Como yalorixá, como mãe de santo, tenho intensificado minha atuação na questão da intolerância religiosa. Daí, unindo a Psicologia com a militância, tenho trabalhado com a simbologia e o significado da religião de matriz africana, contextualizando-a em cada época, em cada momento histórico, cuja resistência, cuja preservação perpassa pelas nuances e percalços, conceitos e valores de uma cultura diferente daquela que lhe originou.
Por estes aspectos eu me sinto honrada por estar aqui compartilhando, através do registro fotográfico, a mostra de um casamento religioso de matriz africana, dentro do viés do Batuque do Rio Grande do Sul, da Nação Cabinda, colocando-me prazerosamente nesta encruzilhada de saberes e contribuindo para que o conhecimento seja uma arma de amorosidade no combate ao preconceito, à intolerância, à discriminação e à violência.
TEMATICA: UNIDADE NA DIVERSIDADE
Mesa Redonda: Encruzilhada de Saberes: Oralidades Negras em Debate
Mostra de Um Casamento Religioso de Matriz Africana- Batuque, Nação Cabinda.
Sandrali de Campos Bueno
Quero agradecer os organizadores e organizadoras da Semana Acadêmica de Antropologia e Arqueologia que tiveram a sensibilidade de escolher, como tema central da Semana, Unidade na Diversidade e expressar a minha alegria por ter sido incluída nesta mesa redonda Encruzilhada de Saberes; oralidades negras em debate.
Como psicóloga, minha intervenção tem sido o da interdisciplinaridade, porque acredito que o conhecimento tem que ser circular e essa circularidade só se dá quando se é provocada por outras perguntas, ou seja, pela intersecção de outros saberes.Mas busco a transdisciplinaridade porque sonho com um saber onde todos os saberes estejam interligados numa espiral interseccionada pelo conhecimento em prol do bem comum e do bem estar da humanidade.
Como militante, minha luta tem sido pelo reconhecimento da cidadania para todos e todas e tenho me caracterizado pela radicalidade amorosa, tendo como princípio uma frase de Malcom X: de nada vale qualquer deferência a mim enquanto essa deferência não for para todos do meu povo.
Como yalorixá, como mãe de santo, tenho intensificado minha atuação na questão da intolerância religiosa. Daí, unindo a Psicologia com a militância, tenho trabalhado com a simbologia e o significado da religião de matriz africana, contextualizando-a em cada época, em cada momento histórico, cuja resistência, cuja preservação perpassa pelas nuances e percalços, conceitos e valores de uma cultura diferente daquela que lhe originou.
Por estes aspectos eu me sinto honrada por estar aqui compartilhando, através do registro fotográfico, a mostra de um casamento religioso de matriz africana, dentro do viés do Batuque do Rio Grande do Sul, da Nação Cabinda, colocando-me prazerosamente nesta encruzilhada de saberes e contribuindo para que o conhecimento seja uma arma de amorosidade no combate ao preconceito, à intolerância, à discriminação e à violência.
segunda-feira, 7 de novembro de 2011
Diálogos para promoção da igualdade racial
Fala
pronunciada, por Sandrali de Campos Bueno, no encontro “Diálogos para promoção
da Igualdade Racial”, organizado pela Comissão Nacional de Clubes Sociais
Negros, no dia 05/08/2010, na Sociedade Recreativa Satélite Prontidão, em Porto
Alegre/RS.
Cada um de nós traz dentro de si uma
ancestralidade milenar. Todos nós, juntos, somos a Humanidade. Somos deuses e
deusas com o poder de transformar, a nós mesmos e ao Mundo, em algo melhor;
algo onde o diálogo seja a única arma a ser empunhada.
Como cidadãos e cidadãs brasileiros,
afro descendentes, sabemos, e sabemos por que sentimos, que existem
desigualdades estruturais que devem ser combatidas incessantemente e
acreditamos, e acreditamos porque vemos, muito há ainda a se fazer.
Muitos de nós que estamos na luta e
em movimento desde que primeiro negro aqui chegou arrancado do seio da Mãe
África, deixaram um legado importante: a resistência. Por isso, com a licença
das pessoas que compõe esta Mesa, com o meu pedido de respeito aos companheiros
do Movimento Negro e, em especial, da entidade que nos acolhe em seu espaço e
com o agô aos meus irmãos de fé, quero prestar uma homenagem a estes
resistentes, através de quatro gaúchos: ao companheiro, José Alves Bitencourt,
o Nego Lua, que conseguiu transformar a si mesmo em uma referência para o
Movimento Negro sem nunca ter perdido a essência; ao companheiro e amigo
Oliveira Silveira, nosso poeta e idealizador do 20 de Novembro, Dia Nacional da
Consciência Negra, cujo olhar poético transcendia para além das aparências, a
ponto de questionar um verso do Hino Rio-Grandense; à educadora Maria Helena
Silveira, a Helena do Sul, cuja obra literária vai além das bandeiras
feministas porque trata do sentimento e da alma da mulher negra; e a Romário de
Almeida, Romário d’Oxalá Onifã, meu avô de santo, que juntamente com tantos
outros babalorixás e ialorixás jamais admitiram curvar-se diante da opressão e
mantiveram a ancestralidade africana acima da aculturalização e do
embranquecimento dos rituais de matriz africana.
Fala-se muito em combate a violência,
mas não existe violência maior do que o racismo, do que o preconceito racial,
principalmente quando é culturalmente construído como o é na sociedade
brasileira, onde o mito da democracia serve para escamotear a realidade vivida
no dia a dia, serve para negar que a sociedade brasileira é racista,
preconceituosa e estruturalmente violenta, onde o preconceito perpassa por
todos os segmentos sociais e não é diferente na esfera pública, no Estado
Laico.
E tivemos prova disso, recentemente,
nesta semana, quando de forma arbitrária e desrespeitosa, sem qualquer
possibilidade de diálogo, representante do atual Governo do Estado cancelou o
Seminário Estadual da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e
Saúde-Núcleo RS, agendado para os dias 4, 5 e 6 de agosto.
Não estamos aqui, enquanto religiosa,
para fazer apologia a este ou aquele partido político, a este ou aquele Governo,
mas não podemos deixar de trazer à tona este fato, porque se trata da forma
como os religiosos de matriz africana foram tratados pelo Estado: no passado,
não tão remoto, com a polícia ostensiva, invadindo os nossos terreiros e
humilhando-nos a ponto de termos que pedir autorização na delegacia de polícia
para podermos cultuar os nossos orixás. Hoje, ainda somos submetidos a buscar
autorizações, nas Secretarias de Meio Ambiente ou através de federações, para
realizar nossos rituais.
E esta semana, somos, mais uma vez,
desrespeitados diante da arbitrariedade do Governo do Estado que cancela um
encontro que contava com 250 inscritos, além de uma lista de espera, inclusive
divulgado nacionalmente. Será que o Governo nos considera peças descartáveis
ou entes abstratos? Será que o poder da caneta tem mais valor que o dialogo?
E por falar em diálogo, aqui estamos
para que, da mesma forma como nossos ancestrais, que tem como princípio e
transmissão do saber, a oralidade, fazer deste encontro um espaço de escuta
política, sim, mas essencialmente, um espaço de diálogo onde possamos avançar
na construção de políticas que promovam o Povo Negro e, no futuro, cada um de
nós possa declarar que contribuiu para erradicar a intolerância religiosa.
Muito Obrigada.
domingo, 6 de novembro de 2011
Aplacando minha dor...
Para o dia de hoje , um trecho do Poema Sobre Palmares, serve para aplacar a minha dor ...
...
Mas aí vêm os mercenários
à procura do rei
e o rei já não está.
Pelas sombras, pela noite
o rei já não está.
Por muito tempo para eles
o rei não estará.
Só para a luta do seu povo está.
...
(In: Silveira, Oliveira. Poemas: antologia . Porto Alegre. Edição dos Vinte, 2009)
...
Mas aí vêm os mercenários
à procura do rei
e o rei já não está.
Pelas sombras, pela noite
o rei já não está.
Por muito tempo para eles
o rei não estará.
Só para a luta do seu povo está.
...
(In: Silveira, Oliveira. Poemas: antologia . Porto Alegre. Edição dos Vinte, 2009)
sábado, 5 de novembro de 2011
Ô Sandra , isso é coisa de negro,...
Era assim que meu Baba se referia quando queria falar sobre algo muito antigo... Pois é, Meu Querido, disseram, os médicos brancos, que tu estavas com uma doença que só os negros da África tem, uma tal de anemia... Onde será que arranjaste isto, aos 57 anos ? E será que tem negros que não são afrodescendentes? E será que a nobreza da maioria da população brasileira será medida pela doença? Quando será que a saúde da população negra será coisa de negro, de branco, de índio, de rico, de pobre. Quando será que deixaremos de morrer por falta de atendimento especializado . Quando será que as doenças que afetam negros e negras, as coisas de negros e negras serão tratadas como coisas do ser humano, do cidadão, sujeito de direitos?
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
Como taquara ao vento...
Sou filha de santo de Enio d' Oxum Pandá Miuwá. Prima de Enio Souza Conceição.
Por quarenta e um anos Ele me cuidou, mesmo sem que eu precisasse
pedir, um cuidado incondicional, fiel e companheiro. Eu o levava à
escola, quando criança, mas foi Ele quem me fêz a religiosa que sou. Teve a paciência de
esperar eu me encontrar... e enquanto isto não acontecia, Ele zelou por
mim e pelos meus orixás.
De repente, o vento veio forte. Soprou com intensidade avassaladora,
derrubando tudo em volta, misturando terra e água, transformando tudo
em barro. O Rio foi ao encontro do Mar e as Aguas se misturaram na
imensidão oceânica.
E eu ? Eu me curvei humildemente como uma taquara. Não sou coqueiro.
Os coqueiros resistem à ventania mas quando tombam não tem como se
re-erguer e... "quanto mais alto pior é o tombo".
Sou taquara: esperarei a ventania passar. E quando ela passar ...
estarei dignamente erguida. Estarei erguida porque Ele fêz de mim uma
bela taquara e, mais que isto, sou hoje um taquaral.
quinta-feira, 3 de novembro de 2011
Só quem tem pode dar...
Faço uma homenagem pública à minha comadre, madrinha, amiga, Mãe
Saionara d´Óxum, que teve a sabedoria, humildade e discernimento de
buscar a pessoa mais qualificada para realizar o arissum do meu Baba. Só
mesmo Mãe Sirlei d" Yemanjá tem competência, sabedoria, pureza de
fundamento e pode receber o título de nobreza da Nação Cabinda. Obrigada
Mãe Sirlei por ter nos acolhido neste momento , cobrindo-nos com o
manto sagrado da misericórdia. Obrigada Saionara pela tua tranquilidade e
respeito à verdadeira hierarquia da Nação Cabinda.
quarta-feira, 2 de novembro de 2011
Será difícel não lembrar...
Eu o levava para escola e quando perguntava-lhe: o que queres ser quando cresceres, ele respodia: batuqueiro. Ele tinha apenas cinco anos... Já sabia para o que veio ao Mundo. Aquele menino, aos nove anos, deixou de ser coroinha e iniciou-se no Batuque, na casa de Pai Romário. Aos quinze anos iniciou sua primeira filha de santo, por questão de saúde, minha mãe: a Tia Tuly. Cuidou dela numa troca afetiva maior do que com sua própria mãe. Ela é a mãe dele... Ele foi o Pai de santo e zelou por ela incondicionalmente e ela o respeitou como seu Baba durante toda vida, sem nunca questionar as suas decisões religiosas...E ele a respeitava como um filho deve respeitar sua mãe. Muito mais do que alguns jovens, de hoje em dia, que desconhecem a verdadeira hierarquia africana que se dá através da troca e do respeito pelo sagrado , sem profanar a lei natural dos laços consanguíneos. Que Oxum te dê força para suportar mais esta perda, minha mãe, mulher guerreira , amada de todos e insubstituível. E não esqueça o que ele dizia; "Tia Tuly, tu não podes morrer..."
terça-feira, 1 de novembro de 2011
A gota retorna ao Oceano
Hoje , às nove horas da manhã , entregamos à Mãe, o corpo do nosso amado Babalorixá Enio D"Oxum Pandá Miuwá.
É uma perda que nos deixa órfãos, mas, podem ter certeza, não nos deixa abandonados. Vivenciaremos nosso luto com dignidade de guerreiros que somos, filhos e filhas de uma majestade que se fez rei pela sabedoria, pela dedicação incondicionavel ao cultos dos orixas da Nação Cabinda. Não reinvindicamos nenhum título de nobreza , mas não permitiremos que ninguem macule nossa bacia. Somos de Cabinda sim, somos de raiz sim e ninguem nos tirará o orgulho de sermos filhos e filhas de Enio d"Oxum, netos e netas de Romario de Oxalá Jobocum Onifan, bisnetos e bisnetas de Madalena d"Oxum Demun, tataranetos e tataranetas de Waldemar d"Xangô Kamuká Barualofina.Eis aí nossos Baba Eguns.
É uma perda que nos deixa órfãos, mas, podem ter certeza, não nos deixa abandonados. Vivenciaremos nosso luto com dignidade de guerreiros que somos, filhos e filhas de uma majestade que se fez rei pela sabedoria, pela dedicação incondicionavel ao cultos dos orixas da Nação Cabinda. Não reinvindicamos nenhum título de nobreza , mas não permitiremos que ninguem macule nossa bacia. Somos de Cabinda sim, somos de raiz sim e ninguem nos tirará o orgulho de sermos filhos e filhas de Enio d"Oxum, netos e netas de Romario de Oxalá Jobocum Onifan, bisnetos e bisnetas de Madalena d"Oxum Demun, tataranetos e tataranetas de Waldemar d"Xangô Kamuká Barualofina.Eis aí nossos Baba Eguns.
segunda-feira, 31 de outubro de 2011
No momento em que meu Babá fêz a passagem...
Zélia disse:
"Ele viveu e aperfeiçoou o melhor que Ele era e despertou-espelhou em ti o belo que és. Voces partilharam uma Herança comum que flui através do Rio, do rio que Ele foi , do rio que Tu és..."
"Ele viveu e aperfeiçoou o melhor que Ele era e despertou-espelhou em ti o belo que és. Voces partilharam uma Herança comum que flui através do Rio, do rio que Ele foi , do rio que Tu és..."
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Referência
Um trecho de uma mensagem da minha comadre e companheira de luta
...quanto à luta.........compreendo a tua indignação mas por favor não baixe o nível , porque para nós, do movimento e para os negros do bem do governo, tu és nossa referência de elegância, superação e prestigio, sei que vais dizer para que serve tudo isso????
mais adiante a história nos mostrará,
te amo muito,
Lanna Campos
...quanto à luta.........compreendo a tua indignação mas por favor não baixe o nível , porque para nós, do movimento e para os negros do bem do governo, tu és nossa referência de elegância, superação e prestigio, sei que vais dizer para que serve tudo isso????
mais adiante a história nos mostrará,
te amo muito,
Lanna Campos
quarta-feira, 19 de outubro de 2011
Pela esperança...
Escrito em 1996
Companheira Sandrali
Quando me apresentaram teu nome fui tomada pela emoção. Em minutos, passou pela minha mente o “filme” de minha vida.
A luta diária pela sobrevivência, para derrubar barreiras, preconceitos e a exclusão social.
A busca permanente da esperança. Da mudança. De novos rumos para uma sociedade mais justa. Minha identificação foi imediata. O teu desafio de enfrentar esta batalha, também é meu. Conta com meu apoio.
Sandrali és mulher, negra, educadora, psicóloga, carnavalesca e ialorixá. Guerreira e socialista. Posso pedir mais de alguém?
1996
Iria Charão Rodrigues
Companheira Sandrali
Quando me apresentaram teu nome fui tomada pela emoção. Em minutos, passou pela minha mente o “filme” de minha vida.
A luta diária pela sobrevivência, para derrubar barreiras, preconceitos e a exclusão social.
A busca permanente da esperança. Da mudança. De novos rumos para uma sociedade mais justa. Minha identificação foi imediata. O teu desafio de enfrentar esta batalha, também é meu. Conta com meu apoio.
Sandrali és mulher, negra, educadora, psicóloga, carnavalesca e ialorixá. Guerreira e socialista. Posso pedir mais de alguém?
1996
Iria Charão Rodrigues
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Tem boi na linha...
Resposta a um caríssimo companheiro...
Tem boi na linha? De que boi está falando, companheiro?
Realmente na nossa linha tem boi e, para ser mais explícita, tem uma boiada. São inquestionáveis os avanços referentes às ações afirmativas aprovadas no ultimo Congresso do PT. Isso, companheiro, é fruto da luta e conquistas do movimento social e não seria o Partido dos Trabalhadores que iria caminhar na contra mão do processo de busca da igualdade para brasileiras e brasileiros.
O nosso trem é o mesmo e embarcamos na mesma estação. A diferença está no lugar que nos tem sido reservado neste trem. Juntos limpamos a estrada e desentortamos os trilhos; juntos escolhemos o destino. Embarcamos na mesma estação e juntos colocamos o combustível; juntos aquecemos a máquina, lubrificamos as peças; juntos demos a partida. Mas ainda não sentamos nos lugares destinados à primeira classe, aliás, ainda não conseguimos romper com este modelo excludente. Estes lugares continuam sendo ocupados por uma minoria e pouca foi a mudança nas poltronas. Isto é um boi na linha.
Na chegada do nosso trem, colorimos o Brasil e o Rio Grande do Sul com o vermelho de nossas bandeiras e foi lindo de se ver!... Mas não conseguimos mesclar, na mesma proporção, nos espaços de poder, “as cores” do povo brasileiro. Nós, negros e negras, continuamos invisibilizados. Embora a sociedade brasileira seja multiétnica, com um contingente significativo de negros e negras, no inconsciente coletivo da sociedade, o racismo continua mais presente do que nunca. Isto é um boi na linha...
Nossas bandeiras de luta estão sendo vampirizadas pelo aculturamento e apropriação da nossa identidade tão duramente construída. Os conflitos hoje se modernizaram pelos efeitos midiáticos e até mesmo as ações afirmativas que nos favoreceriam tendem a ser utilizadas de forma indiscriminadas com a suposta ideologia da universalidade do direito e da laicidade do estado. Isto é um boi na linha...
O conceito de quilombo e o de comunidade de terreiro passaram a ter, na prática institucional, uma conotação que ameaça a identidade cultural do quilombola e a ancestralidade do povo de terreiro. Isto é um boi na linha...
E deixo para falar na questão das candidaturas de negros e negras na próxima estação, porque aí tem uma boiada na linha!...
Out/2011 Sandrali de Campos Bueno
Tem boi na linha? De que boi está falando, companheiro?
Realmente na nossa linha tem boi e, para ser mais explícita, tem uma boiada. São inquestionáveis os avanços referentes às ações afirmativas aprovadas no ultimo Congresso do PT. Isso, companheiro, é fruto da luta e conquistas do movimento social e não seria o Partido dos Trabalhadores que iria caminhar na contra mão do processo de busca da igualdade para brasileiras e brasileiros.
O nosso trem é o mesmo e embarcamos na mesma estação. A diferença está no lugar que nos tem sido reservado neste trem. Juntos limpamos a estrada e desentortamos os trilhos; juntos escolhemos o destino. Embarcamos na mesma estação e juntos colocamos o combustível; juntos aquecemos a máquina, lubrificamos as peças; juntos demos a partida. Mas ainda não sentamos nos lugares destinados à primeira classe, aliás, ainda não conseguimos romper com este modelo excludente. Estes lugares continuam sendo ocupados por uma minoria e pouca foi a mudança nas poltronas. Isto é um boi na linha.
Na chegada do nosso trem, colorimos o Brasil e o Rio Grande do Sul com o vermelho de nossas bandeiras e foi lindo de se ver!... Mas não conseguimos mesclar, na mesma proporção, nos espaços de poder, “as cores” do povo brasileiro. Nós, negros e negras, continuamos invisibilizados. Embora a sociedade brasileira seja multiétnica, com um contingente significativo de negros e negras, no inconsciente coletivo da sociedade, o racismo continua mais presente do que nunca. Isto é um boi na linha...
Nossas bandeiras de luta estão sendo vampirizadas pelo aculturamento e apropriação da nossa identidade tão duramente construída. Os conflitos hoje se modernizaram pelos efeitos midiáticos e até mesmo as ações afirmativas que nos favoreceriam tendem a ser utilizadas de forma indiscriminadas com a suposta ideologia da universalidade do direito e da laicidade do estado. Isto é um boi na linha...
O conceito de quilombo e o de comunidade de terreiro passaram a ter, na prática institucional, uma conotação que ameaça a identidade cultural do quilombola e a ancestralidade do povo de terreiro. Isto é um boi na linha...
E deixo para falar na questão das candidaturas de negros e negras na próxima estação, porque aí tem uma boiada na linha!...
Out/2011 Sandrali de Campos Bueno
quinta-feira, 13 de outubro de 2011
Nem sempre a resposta está em livros...
Nem sempre
a resposta está em livros, às vezes é preciso construí-la. E é o que ouso fazer
para responder a indagação de uma filha de santo.
A busca do nosso bem estar, do
nosso sucesso, da nossa realização é algo que depende não só de nosso esforço,
mas também das circunstâncias em que nos posicionamos frente à percepção da
realidade, da autoconsciência e da aceitação daquilo que somos enquanto
sujeitos protagonistas da própria transformação. Mas a busca da evolução
espiritual, alicerçada na religiosidade de matriz africana, pressupõe a
aceitação de que a Energia do Orixá é Amor.
Não é fácil vivenciar este princípio, porque
na realidade o que este amor exige é a modificação no nosso jeito de
interpretar os desígnios do nosso destino, do nosso odu.
Ao vivenciar a filosofa de matriz africana
precisamos alimentar a convicção de que o orixá não tem a obrigação de viver a
vida por nós, mas sim, de sustentar e amparar nossas fraquezas para que
possamos desenvolver nossas habilidades e competências para que façamos do
viver uma arte que se expressa no cotidiano.
A responsabilidade do orixá para conosco é nos
dar clareza para atingirmos a sabedoria e para adquirirmos a capacidade de
ajudar ao outro, de nos colocarmos no lugar do outro, através da compaixão, da
simplicidade, da liberdade de enxergar no outro o melhor de si mesmo. A nossa
responsabilidade para com o orixá está em reconhecer que a energia que existe
dentro de si só se expressa em sua plenitude se for reconhecida pela energia do
outro e assim sucessivamente numa complexa e perfeita conexão que se estende
pelo universo como uma rede protetora.
Orixá é energia e não um Ser que nos presenteia quando desejamos algo ou nos pune quando desejamos o mal. Essa energia perpassa nossa vida através de um fio condutor denominado axé, asè. E é esse fio que nos une uns aos outros, como elos de uma corrente mítica que se entrelaça e se conecta com outra corrente estabelecida na concretude do viver em uma comunidade tradicional de terreiro. A organização e a hierarquização de uma comunidade tradicional de terreiro transcendem as relações instituídas na formalidade da sociedade civil, isto é, as obrigações que uma mãe de santo ou um pai de santo tem para com seus filhos de santo, e estes entre si, vão além do respeito, da obediência, da união, da confraternização, do acatamento de princípios e dogmas. A concepção organizativa de uma comunidade tradicional de terreiro parte do princípio da solidariedade, do cuidado com o bem estar de cada um e de todos, pois é esse cuidado que garante a preservação do asè. A evolução e a dinâmica da relação do sagrado e profano se dão na mesma proporção da relação do “sujeito-iniciado” com o “sujeito – cidadão”. E é a partir daí que a comunidade de terreiro se transforma no espaço significante e significador capaz de reconstruir a consciência do indivíduo como pertencente à comunidade humana.
Orixá é energia e não um Ser que nos presenteia quando desejamos algo ou nos pune quando desejamos o mal. Essa energia perpassa nossa vida através de um fio condutor denominado axé, asè. E é esse fio que nos une uns aos outros, como elos de uma corrente mítica que se entrelaça e se conecta com outra corrente estabelecida na concretude do viver em uma comunidade tradicional de terreiro. A organização e a hierarquização de uma comunidade tradicional de terreiro transcendem as relações instituídas na formalidade da sociedade civil, isto é, as obrigações que uma mãe de santo ou um pai de santo tem para com seus filhos de santo, e estes entre si, vão além do respeito, da obediência, da união, da confraternização, do acatamento de princípios e dogmas. A concepção organizativa de uma comunidade tradicional de terreiro parte do princípio da solidariedade, do cuidado com o bem estar de cada um e de todos, pois é esse cuidado que garante a preservação do asè. A evolução e a dinâmica da relação do sagrado e profano se dão na mesma proporção da relação do “sujeito-iniciado” com o “sujeito – cidadão”. E é a partir daí que a comunidade de terreiro se transforma no espaço significante e significador capaz de reconstruir a consciência do indivíduo como pertencente à comunidade humana.
Julho/2011.
Mãe Sandrali
d’Oxum
quarta-feira, 12 de outubro de 2011
No dia das crianças....Um poema de Oliveira Silveira
Pobre Menino Preto
Pobre menino preto
brincando com a turma
se imagina mocinho
não cola
os mocinhos são brancos
como os outros
se imagina tarzã
se pendura no galho
não cola
porque ele o imaginam
chita
macaco
chimpanzé
orangotango
não pode brincar de Zumbi
ou Toussaint-Louverture
porque são heróis de verdade
que ninguém conhece
nem ele mesmo nunca ouviu falar.
( Silveira, Oliveira, in Poemas: antologia. Porto Alegre. Edição Dos Vinte, 2009)
Pobre menino preto
brincando com a turma
se imagina mocinho
não cola
os mocinhos são brancos
como os outros
se imagina tarzã
se pendura no galho
não cola
porque ele o imaginam
chita
macaco
chimpanzé
orangotango
não pode brincar de Zumbi
ou Toussaint-Louverture
porque são heróis de verdade
que ninguém conhece
nem ele mesmo nunca ouviu falar.
( Silveira, Oliveira, in Poemas: antologia. Porto Alegre. Edição Dos Vinte, 2009)
terça-feira, 11 de outubro de 2011
E porque não nós também...
Entendo que o tempo urge e a banda há muito já está na rua. Entendo que
é preciso respeitar nossas lideranças e instâncias partidárias. Mas respeito
não significa concordância absoluta. Respeito não significa calar quando nos
deparamos com o rompimento dos nossos sonhos mais caros. Respeito significa cumprir
com nossos acordos, acatar as decisões do coletivo, mesmo quando estas vão de
encontro aos interesses individuais. Respeito significa não perder de vista a
trajetória e a história de cada um que ajudou a construir a estrada que nos
conduziu à vitória.
Respeito significa romper com o mito de que todos
somos iguais. Respeito significa ter a coragem de reverter o pragmatismo que
nega o principio da solidariedade e restituir, não apenas o direito de lutar,
mas a capacidade de sonhar e desejar uma sociedade com oportunidades iguais
para todos.
Faz-se necessário revermos nossos métodos para que não haja
desconstituição do processo de luta. Não podemos perder a referência de quem somos e não podemos sermos insanos e
escolher o lugar de perdedores enquanto coletivo, enquanto segmento de um projeto político. É
evidente que o PT mudou, até porque cresceu muito, conquistou o Poder e hoje já
temos um acúmulo significativo em administrar as demandas nacionais e locais.
Porém para nós, negros e negras, muito há ainda que construir e não podemos nos
desgastar com movimentos que desconstituam nossa trajetória, nossa história de
luta. É preciso aprender com os erros do passado para que não percamos nosso
referencial. É fácil quebrar uma vara de marmelo, mas se unirmos as varas em um
feixe, ninguém conseguirá quebrá-lo. O que nos faz forte é a Unidade. Quando
aprenderemos isto?
Não podemos gastar energia no
lugar errado. Nossa energia tem que estar voltada para a construção de
políticas públicas para nosso povo, políticas que dêem conta das demandas da
comunidade negra. Nós não podemos brincar com o sonho de milhares de pessoas
que nos tem como referência.
Fala-se muito na transversalidade no
Governo Tarso Genro. Mas o que é transversalidade para nós, negros e negras?
Certamente não é apenas ocupar cargos em todos os espaços do Governo.
Transversalidade, para nós, é a contemplação das demandas da população negra
oriundas da vivência concreta no movimento social, aquela concretude que
extrapola as ações compensatórias ou assistencialistas. A transversalidade que
nos interessa vai alem dos privilégios de pertencer a esta ou aquela corrente
partidária. Afinal, fomos, por centenas de anos acorrentados por um regime
escravocrata e, ainda hoje, há correntes que impedem que a maioria da população afrodescendente esteja livre dos grilhões da opressão , da
discriminação , do racismo. A
transversalidade que queremos transcende aos partidos políticos sejam eles da
esquerda ou da direita, da situação ou da oposição, até porque, até hoje,
nenhum partido político deu conta das demandas da população afrodescendente,
nenhum partido pautou e, efetivamente, assumiu o compromisso com as
candidaturas de negros e de negras.
Out/ 2011 Sandrali de Campos Bueno
Out/ 2011 Sandrali de Campos Bueno
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