quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Crianças e adolescentes negros em situação de risco social*


     
Roteiro da fala proferida no Seminário “O Negro e a Educação”, no Encontro de Cultura Negra, realizado em Porto Alegre, de 20 a 30 de novembro de 1990.

                                         Sandrali de Campos Bueno


              Falar sobre a criança negra e o adolescente negro pressupõe um leque imenso de possibilidades de abordar o assunto, pois o tema “infância e adolescência” traz em seu bojo um sentido de totalidade, ou seja, não podemos subdividir em especificidades, em áreas compartimentadas do conhecimento, sem correr o risco de cairmos numa visão dicotômica do ser humano.
                 No entanto, mesmo correndo esse risco, por uma questão didática, e pelo tempo disponível que temos de reflexão, neste encontro, é necessário que delimitemos o campo e, portanto, pinçaremos alguns aspectos que nos parecem significativos frente à possibilidade de uma reflexão conjunta
                Dentro disto, temos um pano de fundo que é a criança e o adolescente e neste quadro é que iremos enfocar a criança negra e o adolescente negro, ou seja, nossas crianças, nossos adolescentes: a vivência, a conduta, o desenvolvimento, os desejos, as ansiedades, os conflitos, a educação. Este é o tema central deste debate e, portanto, nosso referencial.
                 Partindo deste referencial, enfocarei duas situações, sendo que cada uma constitui um grupo que não faz parte deste nosso quadro e que estão a margem, mas faze parte da sociedade, da população negra brasileira: a primeira trata-se da questão da adoção de crianças negras; a segunda é a questão das crianças e adolescentes negros que se encontram em “situação de risco social”.
                Talvez alguns dos aqui presentes tenham passado, ou conhece alguém que tenha passado, pela experiência de adotar uma criança. A burocracia, as entrevistas, são massacrantes, quando não discriminatórias, passando pela renda familiar, condições psicológicas, etc., etc... Por outro lado, é passado ao publico que as instituições estão repletas de crianças a serem adotadas e não são encontrados pais adotivos ou então que só há colocação para crianças do sexo feminino de preferência de olhos azuis, sendo que as crianças negras ficam nas instituições esperando para serem adotadas a não ser que tenham a sorte de serem adotadas por famílias estrangeiras.
                 Considero isto um mito: primeiro porque na maioria dos casos não e considerado a disponibilidade afetiva das famílias negras e sim a questão econômica. Ora, todos sabem que na grande maioria, as famílias negras não apresentam um poder aquisitivo que lhes possibilitem arcar com as despesas de mais filhos, embora muitas delas estiverem disponíveis a adotar, pois faz parte do referencial histórico e afetivo do povo negro ter família numerosa. Outra questão a ser levantada é adoção para familias estrangeiras, sendo que as crianças são adotadas “sem qualquer preconceito”, ou seja, os casais estrangeiros não discriminam quando querem adotar uma criança brasileira. Aqui reforço meu questionamento: tem a ver com a construção de identidade, a desvinculação da nacionalidade, da cultura, das raízes destas crianças. Como se processa internamente o referencial desta criança negra, num pais de primeiro mundo sim, mas sem nenhuma possibilidade de referência de ancestralidade?
              Quando falo em mito, refiro-me a questão político-social, pois acredito que se o Brasil tivesse uma política de adoção de crianças negras ou brancas, em que o Estado se comprometesse em manter seus filhos em solo brasileiro, se defendesse o direito dos que aqui nascem de terem no mínimo respeitado sua condição de brasileiro, haveria mecanismos e instrumentos sociais que possibilitassem que famílias negras brasileiras, que casais negros, adotassem crianças negras, como por exemplo, só para citar uma proposta, se o Estado se comprometesse em subsidiar a educação, saúde e o desenvolvimento dessas crianças. Temos muitas famílias negras disponíveis afetivamente para receber em seu seio, crianças adotivas: o que não temos são famílias negras com disponibilidade econômica para manter com dignidade os seus próprios filhos.
               Crianças e adolescentes em situação de risco. O que isto significa? Que grupo social é este? Define-se que criança e adolescente em situação de risco social são aqueles que vivem nas ruas, que estão excluídos, que não tem acesso a escola, a saúde, a alimentação, que “ameaçam’ a lei e a ordem estabelecidas. Que a maioria deles são negros, não resta duvida, porque nos deparamos com eles diariamente. Estão aí na nossa cara! Bem, este grupo em geral tidos como meninos e meninas de rua, ao serem olhados pela ótica da cultura dominante, são tidos como um grupo desviante, com estando a margem, como excluídos e por ai... minha pergunta é: como são vistos pela comunidade negra, pela sociedade negra? Qual a concepção que cada um de nos, negros e negras trabalhadores, politizados, militantes, intelectuais temos frente a esta questão? Será que também reproduzimos a mesma relação que a sociedade branca, dominante tem para com eles? Até que ponto não temos a mesma postura daquelas pessoas, que ao se depararem, por exemplo, no supermercado, com um adolescente negro, mal vestido, sujo, pressupõe que ele seja ladrão, trombadinha ou qualquer rótulo? Penso que é preciso refletir não só tendo por base o novo discurso de transformação social, mas antes de tudo refletir partindo das nossas relações, da forma como se dão essas relações, ou então corremos o risco de continuar discutindo , fazendo elaborações teóricas, mas sem qualquer possibilidade de mudanças efetivas na vida das pessoas, na vida da maioria da população negra deste pais.







                  

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