segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Diálogos para promoção da igualdade racial


Fala pronunciada, por Sandrali de Campos Bueno, no encontro “Diálogos para promoção da Igualdade Racial”, organizado pela Comissão Nacional de Clubes Sociais Negros, no dia 05/08/2010, na Sociedade Recreativa Satélite Prontidão, em Porto Alegre/RS.
                                     
          
          Cada um de nós traz dentro de si uma ancestralidade milenar. Todos nós, juntos, somos a Humanidade. Somos deuses e deusas com o poder de transformar, a nós mesmos e ao Mundo, em algo melhor; algo onde o diálogo seja a única arma a ser empunhada.                                           

          Como cidadãos e cidadãs brasileiros, afro descendentes, sabemos, e sabemos por que sentimos, que existem desigualdades estruturais que devem ser combatidas incessantemente e acreditamos, e acreditamos porque vemos, muito há ainda a se fazer.

          Muitos de nós que estamos na luta e em movimento desde que primeiro negro aqui chegou arrancado do seio da Mãe África, deixaram um legado importante: a resistência. Por isso, com a licença das pessoas que compõe esta Mesa, com o meu pedido de respeito aos companheiros do Movimento Negro e, em especial, da entidade que nos acolhe em seu espaço e com o agô aos meus irmãos de fé, quero prestar uma homenagem a estes resistentes, através de quatro gaúchos: ao companheiro, José Alves Bitencourt, o Nego Lua, que conseguiu transformar a si mesmo em uma referência para o Movimento Negro sem nunca ter perdido a essência; ao companheiro e amigo Oliveira Silveira, nosso poeta e idealizador do 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, cujo olhar poético transcendia para além das aparências, a ponto de questionar um verso do Hino Rio-Grandense; à educadora Maria Helena Silveira, a Helena do Sul, cuja obra literária vai além das bandeiras feministas porque trata do sentimento e da alma da mulher negra; e a Romário de Almeida, Romário d’Oxalá Onifã, meu avô de santo, que juntamente com tantos outros babalorixás e ialorixás jamais admitiram curvar-se diante da opressão e mantiveram a ancestralidade africana acima da aculturalização e do embranquecimento dos rituais de matriz africana.

          Fala-se muito em combate a violência, mas não existe violência maior do que o racismo, do que o preconceito racial, principalmente quando é culturalmente construído como o é na sociedade brasileira, onde o mito da democracia serve para escamotear a realidade vivida no dia a dia, serve para negar que a sociedade brasileira é racista, preconceituosa e estruturalmente violenta, onde o preconceito perpassa por todos os segmentos sociais e não é diferente na esfera pública, no Estado Laico.

          E tivemos prova disso, recentemente, nesta semana, quando de forma arbitrária e desrespeitosa, sem qualquer possibilidade de diálogo, representante do atual Governo do Estado cancelou o Seminário Estadual da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde-Núcleo RS, agendado para os dias 4, 5 e 6 de agosto.

         Não estamos aqui, enquanto religiosa, para fazer apologia a este ou aquele partido político, a este ou aquele Governo, mas não podemos deixar de trazer à tona este fato, porque se trata da forma como os religiosos de matriz africana foram tratados pelo Estado: no passado, não tão remoto, com a polícia ostensiva, invadindo os nossos terreiros e humilhando-nos a ponto de termos que pedir autorização na delegacia de polícia para podermos cultuar os nossos orixás. Hoje, ainda somos submetidos a buscar autorizações, nas Secretarias de Meio Ambiente ou através de federações, para realizar nossos rituais.

          E esta semana, somos, mais uma vez, desrespeitados diante da arbitrariedade do Governo do Estado que cancela um encontro que contava com 250 inscritos, além de uma lista de espera, inclusive divulgado nacionalmente. Será que o Governo nos considera peças descartáveis ou entes abstratos? Será que o poder da caneta tem mais valor que o dialogo?

          E por falar em diálogo, aqui estamos para que, da mesma forma como nossos ancestrais, que tem como princípio e transmissão do saber, a oralidade, fazer deste encontro um espaço de escuta política, sim, mas essencialmente, um espaço de diálogo onde possamos avançar na construção de políticas que promovam o Povo Negro e, no futuro, cada um de nós possa declarar que contribuiu para erradicar a intolerância religiosa.

                                                                Muito Obrigada.


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