Pelotas, 04 de dezembro de 2010.
Aos Companheiros da Setorial de Combate ao Racismo.
Bem, aqui estou eu refletindo sobre a
possibilidade da construção de uma sociedade gerenciada pela alma e onde a
solidariedade tenha o poder de influenciar nas estruturas sociais de forma
ágil, simples e eficiente. E tudo isto feito através do Amor, da Competência,
da Paixão pelo Saber, da Generosidade, da Solidariedade de cada um e cada uma
dos que acreditam neste sonho e ajudam a torná-lo possível.
Eu tenho paixão pelo
trabalho e levo a sério a confiança que depositam na minha competência. Mas
gosto da simplicidade e detesto disputa desqualificada. Prefiro escrever a
falar, prefiro ser a ter, prefiro conquistar a disputar, prefiro a construção
nos bastidores ao show no palco.
Embora meu agir possa criar a idéia de
complexidade devido à minha circularidade, meu jeito de pensar
estratégias é simples e se baseiam em três premissas: - disciplina prazerosa
pelo trabalho de servir o melhor cardápio que aprendi a fazer, - crença
inabalável naquilo de melhor que o Outro tem a contribuir - disputar
apenas aquilo que conduz à Unidade.
A escrita sempre foi meu melhor instrumento de
denuncia e de anuncio e, quanto maior minha indignação, maior minha produção. Sou boa nisto, tenho
dificuldade no discurso improvisado.
Vim para Pelotas em mil
novecentos e noventa e nove, magoada pela forma como alguns companheiros,
ligados ao movimento negro lidaram com a disputa pelos espaços no Governo
Olívio Dutra. Não souberam enxergar-me
como um quadro político que acima de tudo ama o que faz e não tolera atitudes
maquiavélicas e perversas, muito menos traição de irmãos. Afastei-me da
política partidária, sem, no entanto, me desfiliar do PT.
Durante estes doze
anos, eu estava quieta no meu espaço trabalhando com meus adolescentes em
conflito com a lei, tentando fazer cumprir o ECA na execução da medida
sócio-educativa de privação de liberdade, embora sabendo que a Fase estampa o
fracasso da sociedade no trato de suas crianças e adolescentes e da violência
estruturalmente construída
Plantei meu axé em
Pelotas e disto cuidei muito bem. Minha
militância passou a ser a luta contra a intolerância religiosa, sem fazer
estardalhaço, nem uso da política partidária. Aquietei meu coração, mas
continuei a sonhar com uma sociedade solidária, ética e, por si só,
igualitária.
Dediquei-me, então, a cuidar da
formação das minhas filhas, pois elas são o maior presente que Deus me deu e
se, na infância delas, a política e o trabalho as privou da minha presença mais
próxima, quantitativamente, na sua adolescência resolvi que o cuidado a mim
cabia como presença afetiva e efetiva e, muitas vezes incomodativa, pois
jamais admiti que elas me dissessem: não te metas na minha vida. Meti-me
e muito... O resultado disto é que uma está cursando Psicologia, quer fazer
mestrado, doutorado e por aí... E a outra depois de cursar três anos de Agronomia,
fez o ENEM, está cursando Direito e aos vinte e dois anos ingressou na
política. As duas também são ialorixás comprometidas com a causa contra a intolerância
religiosa. As duas me tem como confidente, como conselheira, como sustentáculo,
como referencial, como alguém a seguir. Isto representa a síntese de mim mesma e é
tudo que qualquer mãe poderia desejar: padecer neste paraíso e dar-se conta que
valeu a pena, que cumpriu sua missão e devolve para o Mundo sua dedicação
simples e digna de um Prêmio Nobel.
Em julho, fui a Porto Alegre para receber uma homenagem,
levando com prazer e muito orgulho minha filha Winnie que já estava em campanha
eleitoral. Eu estava feliz com o reconhecimento como liderança feminina, com a
indicação feita pela Lanna Campos, pessoa que me introduziu nas comunidades,
como Morro da Conceição, Vila Cruzeiro, Restinga. Lanna me falou: "Teu
chefe virá neste evento e quer falar contigo", referindo-se a Tarso Genro
com quem tive a honra de trabalhar, no seu primeiro governo na Prefeitura de
Porto Alegre.
Durante o evento, emocionei-me
ao rever companheiras e companheiros de militância. Emocionei-me com a fala do
Julio Quadros que declarou que havia votado em mim quando candidata a
vereadora. Emocionei-me quando vi José Reis, meu fiel escudeiro e coordenador
da minha campanha.
O então candidato a Governador,
Tarso Genro, ao cumprimentar-me, abraçou-me e me falou, ao pé do ouvido: "A
Sandra disse que acha que desta vez esse negócio vai dar certo e mais uma vez lembrou-se
de ti para ocupar o espaço, tradicionalmente ocupado pela primeira dama, como
foi na prefeitura". Eu sorri e respondi:- Diga a ela que por ela eu volto
para Porto Alegre e aceito a incumbência.
Logo depois falei com Zé Reis e
contei o fato. Ele me disse: "Bom, é um convite. Este é um momento
diferente daquele que enfrentaste na Prefeitura. Estás afastada, mas agora
estás sendo convidada independente de
indicação do movimento ou núcleo".
Depois, em agosto, veio a
coordenação da mesa do evento Diálogos para Promoção da Igualdade Racial, no
Satélite Prontidão, com a presença do Ministro Elói e do Senador Paulo Paim. Na
discussão de como seria a composição da mesa houve, para variar,
questionamentos quanto à representatividade. Falei que todos nós trazemos
conosco uma ancestralidade e isto, por si só, já corresponde a uma
representatividade incontestável; por outro lado eu estava ali para contribuir
e não haveria qualquer constrangimento em abrir mão da coordenação da mesa. A companheira
Lanna num dado momento pontuou sobre o fato de Tarso Genro ter solicitado que a
mesma me convencesse a voltar para Porto Alegre a fim de estar no Gabinete da
Primeira Dama. Zé Reis se inscreveu é apontou que não era o
momento, pois precisávamos primeiro ganhar o Governo e tínhamos que ter cuidado
para não queimar nomes. Outro companheiro pontuou que havia outros nomes para
ser consultados, talvez com mais representatividade. A questão gerou constrangimento e eu falei
que não autorizava ninguém, nem mesmo a Lanna, por quem tenho estima e uma
relação afetiva (sou madrinha do filho dela), a colocar meu nome em qualquer
espaço, principalmente porque eu já sofrera bastante com a experiência do MAPA;
eu estava ali preocupada com a eleição do Paim, pelo que ele representava para
nós. Depois disto começamos a organizar propriamente dito o cerimonial do
encontro.
Quando Tarso chegou, Zé Reis
falou a ele que já estava havendo "tititi" em relação ao meu nome. “Tarso
me deu um abraço fraterno e disse: Quem escolhe sou eu, pois sou eu que terei
que carregá-la”.
Bem, a fala de Tarso foi ouvida por todos que ali
estavam presentes onde ele citou-me e cutucou-me, falando do meu trabalho a frente
do Mapa.
Bem, dali em
diante, segui, cumprindo as orientações, como militante e com a disciplina e
discrição que me caracterizam. E algumas pessoas acompanharam meus movimentos e
trabalho de formiguinha durante a campanha. Com o Caderno do Programa de
Governo, embaixo do braço, busquei o comprometimento, de cada candidato, com as
nossas questões, que ali, no Caderno, estavam contempladas, fruto do trabalho
desta Setorial. E a minha fala era a seguinte: - Fulano de tal tem uma cara
preta e está fazendo campanha pra te eleger. Tudo bem, mas nós queremos que, se
fores eleito ou eleita, não te esqueças de defender as questões que nos contemplam.
Queremos o teu compromisso com a nossa causa-.
E assim fui indo, independente de corrente, mas respeitando as demandas
oriundas desta Setorial, através do contato com a Sandra Maciel. E porque a
Sandra? Porque eu respeito as instâncias partidárias e seus dirigentes. Penso
que, se nós não respeitarmos o que nos mesmos construímos, não poderemos exigir
que nos respeitem.
Em outro momento
consultei a Reginete Bisbo também movida pela relação de respeito,
solidariedade e confiança.
Eu sou assim, não tenho culpa que algumas
pessoas não consigam me ver assim, como realmente sou. Valorizo a fidelidade e
não aceito traição. Respeito as instâncias partidárias e deixei explícito que
não vim para disputar qualquer espaço porque não me disponho a isto, não quero
isto pra mim. Apenas aceitei um convite do então candidato ao Governo do
Estado. E se ele, o Governador, assim
quiser, eu estarei disponível para o que der e vier, mas preservando-me contra
a maledicência e a incompetência.
Nos últimos dias, participei (com a
legitimidade que minha trajetória e minha ancestralidade me conferem na luta
contra as intolerâncias e o racismo) de três momentos de construção de nomes e
indicações de espaços para dar conta das nossas demandas. E atrevo-me a fazer
minhas considerações fraternas a respeito deste processo: penso que devemos rever
nossos métodos para que não haja desconstituição do processo de luta. Não
podemos perder a referência de quem somos e não podemos ser insanos e escolher
o lugar de perdedores enquanto coletivo. Não podemos gastar energia no lugar
errado. Nossa energia tem que estar voltada para a construção de políticas públicas
para nosso povo, políticas que dêem conta das demandas da comunidade negra. Não
temos o direito de desconsiderar o sonho de milhares de pessoas que nos tem
como referência.
Axé e grata pelo apoio.
Sandrali de Campos Bueno
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