Sr. Marcelo Danéris
Secretário Executivo do Conselho de
Desenvolvimento Econômico e Social Estado do Rio Grande do Sul.
Sr Secretário
A sociedade e o Estado
brasileiro têm uma dívida histórica, para com o Povo de Terreiro, em relação às
ações e estratégias que, por mais de quinhentos anos, estão circunscritas no
ideário de aculturamento que, de forma contraditória e violenta, destituiu e
desconstruiu a ordem e a organização da cosmovisão de um povo cuja dinâmica
civilizatória transcende a lógica da subjetividade individual.
A participação do Brasil no
processo da III Conferência Mundial Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a
Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, em 2001 criou
aspectos favoráveis para que o Estado e a sociedade atuassem de forma mais
incisiva e eficaz na superação dos componentes e das desvantagens sociais produzidas
pelo racismo.
O Estado tem um papel na
promoção da igualdade racial que precisa se consubstanciar, não só através do
investimento das novas articulações das políticas econômica, social e
ambiental. O Estado precisa pensar a mudança como compromisso ético, moral e de
ressarcimento , civilizatoriamente falando, restituindo aquilo do qual a África
foi pilhada, como diz Boaventura Souza Santos: “não só material, mas também
epistemológica”, como bem cita o teólogo Jayro Pereira de Jesus. Há que mudar a
lógica de uma sociedade individualista para uma lógica onde as singularidades
se inter-relacionam, onde a conexão seja com TUDO e com TODOS, numa perspectiva
fundamentada nos valores de um processo civilizatório como obra da Humanidade.
Para nós, o desenvolvimento socioeconômico está
intrinsecamente ligado à construção e/ou reconstrução da premissa civilizatória
africana da filosofia UBUNTU o que significa que 'não podemos dar um passo a
frente ou para o alto sem que toda a comunidade de um passo à frente e ao
alto'.
O Estado do Rio Grande do Sul
deu passos significativos no sentido de ressarcir os danos psicológicos,
materiais, sociais, políticos, educacionais sofridos pelo Povo de Terreiro e
pelas Populações de Ascendência Africana, iniciando uma política, baseada no
reconhecimento do espaço do terreiro como lugar de vivência cotidiana de uma
visão de mundo em que os sujeitos são indissociados entre si, entre a
comunidade, entre a natureza, pois é nessa interconexão que se estabelece a
harmonia, o desenvolvimento e a justiça social.
Estes passos tem se
reafirmado a partir do diálogo entre o governo do estado e o movimento social,
sobretudo quando se inaugura no Ano Internacional do Afrodescendente, uma nova
interlocução expressada nos anseios coletivos do Povo de Terreiro que se
reafirma para além da ritualística e da
culturalização, manifestando sua atuação como eixo estratégico para qualquer
discussão, definição e encaminhamento de políticas para a população de
Ascendência Africana e no reconhecimento, por parte do governo, de que qualquer instrumento
que se pretenda reduzir os desequilíbrios no ordenamento das políticas que
digam respeito à inclusão do Povo de Terreiro e das Populações de Ascendência
Africana e que se traduzam em igualdade de oportunidades e de tratamento, deve
se caracterizar como instrumento de afirmação civilizatória em busca da
equidade em todas as esferas dos organismos governamentais e da sociedade.
E foi esse diálogo que fez com que, no
dia 20 de dezembro de 2011,eu passasse a representar meu Povo, o Povo de
Terreiro, no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado do Rio
Grande do Sul - CDESRS.
Então, caro secretário, eu quero lhe falar, ainda
enquanto conselheira que fala
do lugar do povo, fala do lugar da conquista por direitos, da luta por uma
sociedade solidária, fala enquanto militante, enquanto defensora de um projeto
político, mas essencialmente fala porque “outros e outras falaram, outros e
outras falam e outras e outros falarão” na defesa de um projeto mítico coletivo
em que as armas são a do diálogo e a do respeito às diferenças e que tem a
circularidade e a transversalidade como princípio civilizatório; falo pedindo a
benção à ancestralidade: quero lhe dizer que dialogar e construir consensos e
concertações no meio de uma diversidade de posições e segmentos, (muitas vezes,
diametralmente opostos) foi uma experiência que qualificou minha trajetória. O CDESRS, o ‘Conselhão do Tarso’, passa a
fazer parte, não apenas do meu currículo político social, mas como algo a ser
compartilhado como vivência prazerosa na luta por uma sociedade igualitária.
A nova tarefa que a mim foi atribuída
por indicação do movimento social e pela confiança do Governador Tarso Genro,
também foi uma conquista que se consubstanciou a partir da recomendação do CDESRS,
um avanço social que repercute como ação pioneira no cenário nacional, ou seja,
a instituição do Comitê Estadual do Povo de Terreiro, através do Decreto nº
50.112, de 27 de fevereiro de 2013, que tem por finalidade propor, sugerir,
apontar e elaborar políticas públicas voltada ao Povo de Terreiro e às
Populações de Ascendência Africana, considerando os pressupostos da xenofilia
da cosmovisão africana. Um novo desafio que pela circunstância do cargo torna
incompatível a representatividade enquanto sociedade civil, no CDESRS.
Como nossa filosofia é
Ubuntu, isto é: “só sou porque somos”, a indicação de Iyá Carmem de Holanda,
iyalorixá, mulher negra, socióloga, professora universitária, dirigente do
Centro de Apoio Social Conceição, com uma atuação intensa em sua comunidade representa
não só a continuidade do nosso compromisso para com o trabalho desenvolvido
pelo CDES, como acrescenta e amplia o leque de contribuição do Povo de Terreiro
e das Populações de Ascendência Africana.
.
Deixo o lugar de
representatividade da tradição de matriz africana no CDESRS enquanto
representante da sociedade civil, mas assumo o compromisso de continuar
contribuindo na busca do consenso político e social na construção de políticas
que ainda se fazem necessários na saúde, na segurança pública, na promoção dos
direitos sociais, na economia, na educação, enfim na construção e consolidação
do projeto de desenvolvimento econômico e social que dê sustentabilidade para
os avanços na superação das desigualdades e no combate ao racismo.
Porto Alegre, 27 de agosto de
2013.
Sandrali de Campos Bueno- Iyá Sandrali d’Osun
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