Por uma
reparação civilizatória diante da violência com que os religiosos de matriz
africana estão sendo tratados na Rede social dos supostos amigos de Pelotas.
Sandrali de Campos Bueno
Fala-se muito em combate a
violência, mas não existe violência maior do que o racismo, do que o
preconceito racial, principalmente quando é culturalmente construído como o é
na sociedade brasileira, onde o mito da democracia serve para escamotear a
realidade vivida no dia a dia, serve para negar que a sociedade brasileira é
racista, preconceituosa e estruturalmente violenta, onde o preconceito perpassa
por todos os segmentos sociais e não é diferente na esfera pública, no Estado
Laico
E não tem sido diferente na cidade de
Pelotas.
Estamos constatando isto, vivenciando isto
quando segmentos da sociedade pelotense, segmentos estes que se embasam em
pressupostos ideologizados, incitam o ódio racial e a intolerância religiosa.,
através das suas redes sociais.
Hoje nos chamam de selvagens, dizem
que nossos rituais são “chinelagem” , que somos retrógados , que desrespeitamos
o direito dos outros, que somos cruéis e nos atribuem vários adjetivos
desabonadores.
Só
existe uma explicação para sermos tão atacados diante de uma manifestação
ritualística: o Racismo. E é contra isto que lutamos. E nossa luta não se consubstancia
no ataque às demais religiões. Nossa luta se expressa na construção da
identidade de um povo que foi arrancado de sua terra natal, despojado do que
lhe era mais sagrado, ou seja, sua cultura, sua visão de mundo.
Criticam que sacrificamos animais mas
esquecem que foram nossos ancestrais que salvaram a economia desta cidade e a transformaram
numa das regiões mais prósperas da colônia. Foram os nossos ancestrais que
ensinaram a tecnologia do abate dos animais e foi a mistura do sangue do gado
sacralizado com o sangue do trabalhador negro sacrificado que sustentou a
economia de Pelotas. É preciso estudar e
aprofundar o conceito de civilidade e de prosperidade que fez com que a cidade
de Pelotas fosse conhecida como a Princesa do Sul. Sacrifício de vidas humanas
foi permitido pois quantos trabalhadores escravizados morreram atravessando a
nado o Arroio São Gonçalo? Quantos trabalhadores negros escravizados sangraram
ate à morte no mesmo local em que hoje sacralizamos animais? Quantas crianças
foram arrancadas dos braços das mães cujo leite serviu para amamentar os filhos
dos senhores? Quantas mulheres negras escravizadas foram torturadas, tendo suas
línguas cortadas, seus olhos furados, suas vaginas perfuradas para satisfazer o
prazer dos senhores e alívio de senhoras e senhorinhas que rezavam seus terços
e eram abençoadas pela igreja para não serem confundidas por mulheres de pouca
fé.
Para as pessoas
que dizem que se sentirão constrangidas em entrar no Mercado Publico devido ao
ritual que foi realizado em memória dos nossos ancestrais escravizados,
lembramos que o sangue inocente ali derramado, no período escravocrata, não
constrangeu, nem sensibilizou os corações e mentes das pessoas que se diziam
civilizadas, crentes e tementes a Deus. Sabem porque? Porque o sacrifício era
de pessoas às quais a própria igreja negava a condição de humanidade. Convém
lembrar-se que o derramamento de sangue humano na cidade de Pelotas e no resto
do Brasil foi protagonizado por pessoas que se diziam religiosas, que cumpriam
com todos os fundamentos do cristianismo. E porque permitiam que atrocidades fossem
cometidas contra outras pessoas? Porque não se envergonhavam de viverem às
custas do trabalho escravo?
Ora quem se diz amigo de Pelotas deveria
estudar a história real desta cidade e ajudar a reconstruí-la a partir de novos
paradigmas, ou seja a partir dos princípios da Constituição Brasileira de 1988.
O tempo do colonialismo já passou. Somos cidadãos e cidadãs , pessoas sujeitos
de direito.
Não
estamos aqui, enquanto religiosa de matriz africana, para pedirmos licença
para quer que sejam, para serem
tolerantes. Não. Basta! Não temos que
nos submetermos a dar explicações a quem não nos respeita. NÃO IREMOS NOS RENDER A PSEUDOS DEFENSORES DA MORAL E DOS
BONS COSTUMES. Estamos aqui para exigir respeito aos nossos ancestrais, às
nossas tradições da mesma forma que temos tolerado as demais tradições,
culturas, religiões e crenças.
Este texto consta nos anais da defesa das Autoridades Civilizatórias da Tradição de Matriz Africana de Pelotas que foram denunciadas no Ministério Público.
ResponderExcluir