segunda-feira, 30 de julho de 2012

Por uma Reparação Civilizatória




Por uma reparação civilizatória diante da violência com que os religiosos de matriz africana estão sendo tratados na Rede social dos supostos amigos de Pelotas.
                           Sandrali de Campos Bueno

          Fala-se muito em combate a violência, mas não existe violência maior do que o racismo, do que o preconceito racial, principalmente quando é culturalmente construído como o é na sociedade brasileira, onde o mito da democracia serve para escamotear a realidade vivida no dia a dia, serve para negar que a sociedade brasileira é racista, preconceituosa e estruturalmente violenta, onde o preconceito perpassa por todos os segmentos sociais e não é diferente na esfera pública, no Estado Laico
          E não tem sido diferente na cidade de Pelotas.
          Estamos constatando isto, vivenciando isto quando segmentos da sociedade pelotense, segmentos estes que se embasam em pressupostos ideologizados, incitam o ódio racial e a intolerância religiosa., através das suas redes sociais.
         Hoje nos chamam de selvagens, dizem que nossos rituais são “chinelagem” , que somos retrógados , que desrespeitamos o direito dos outros, que somos cruéis e nos atribuem vários adjetivos desabonadores.
         Só existe uma explicação para sermos tão atacados diante de uma manifestação ritualística: o Racismo. E é contra isto que lutamos. E nossa luta não se consubstancia no ataque às demais religiões. Nossa luta se expressa na construção da identidade de um povo que foi arrancado de sua terra natal, despojado do que lhe era mais sagrado, ou seja, sua cultura, sua visão de mundo.
          Criticam que sacrificamos animais mas esquecem que foram nossos ancestrais que salvaram a economia desta cidade e a transformaram numa das regiões mais prósperas da colônia. Foram os nossos ancestrais que ensinaram a tecnologia do abate dos animais e foi a mistura do sangue do gado sacralizado com o sangue do trabalhador negro sacrificado que sustentou a economia de Pelotas.  É preciso estudar e aprofundar o conceito de civilidade e de prosperidade que fez com que a cidade de Pelotas fosse conhecida como a Princesa do Sul. Sacrifício de vidas humanas foi permitido pois quantos trabalhadores escravizados morreram atravessando a nado o Arroio São Gonçalo? Quantos trabalhadores negros escravizados sangraram ate à morte no mesmo local em que hoje sacralizamos animais? Quantas crianças foram arrancadas dos braços das mães cujo leite serviu para amamentar os filhos dos senhores? Quantas mulheres negras escravizadas foram torturadas, tendo suas línguas cortadas, seus olhos furados, suas vaginas perfuradas para satisfazer o prazer dos senhores e alívio de senhoras e senhorinhas que rezavam seus terços e eram abençoadas pela igreja para não serem confundidas por mulheres de pouca fé.


Para as pessoas que dizem que se sentirão constrangidas em entrar no Mercado Publico devido ao ritual que foi realizado em memória dos nossos ancestrais escravizados, lembramos que o sangue inocente ali derramado, no período escravocrata, não constrangeu, nem sensibilizou os corações e mentes das pessoas que se diziam civilizadas, crentes e tementes a Deus. Sabem porque? Porque o sacrifício era de pessoas às quais a própria igreja negava a condição de humanidade. Convém lembrar-se que o derramamento de sangue humano na cidade de Pelotas e no resto do Brasil foi protagonizado por pessoas que se diziam religiosas, que cumpriam com todos os fundamentos do cristianismo. E porque permitiam que atrocidades fossem cometidas contra outras pessoas? Porque não se envergonhavam de viverem às custas do trabalho escravo?
      Ora quem se diz amigo de Pelotas deveria estudar a história real desta cidade e ajudar a reconstruí-la a partir de novos paradigmas, ou seja a partir dos princípios da Constituição Brasileira de 1988. O tempo do colonialismo já passou. Somos cidadãos e cidadãs , pessoas sujeitos de direito.  

      Não estamos aqui, enquanto religiosa de matriz africana, para pedirmos licença para  quer que sejam, para serem tolerantes. Não. Basta!  Não temos que nos submetermos a dar explicações a quem não nos respeita. NÃO IREMOS  NOS RENDER A PSEUDOS DEFENSORES DA MORAL E DOS BONS COSTUMES. Estamos aqui para exigir respeito aos nossos ancestrais, às nossas tradições da mesma forma que temos tolerado as demais tradições, culturas, religiões e crenças.